artigos de opinião

dois artigos de opinião que achei bastante interessantes na revista sábado que passo a citar por estes lados:

"as linhas da ira

cartazes de papelão por todo o mundo, da wall street à rua direita de algures: "contra o capitalismo, incivismo!". e etc.
daqui à guerrilha urbana em roma vai um passo. ou não. depende de quem conduz à indignação. mas não se confunda a discussão sobre quem conduz com o debate sobre as razões da ira. estas são conhecidas, e não podem ser esquecidas.
em madrid, caminhei com as multidões a convergira da praça colón, de callao, de alcalá, de são bernardo, da princesa, do passeio do prado, da chique castellana e da mais depredada gran via (para a minha juventude, era a avenida josé antónio), na direcção das portas do sol. dos clamores nacionalistas de outros tempos nascem agora, sobretudo numa larga massa jovem, gritos contra os "estados das coisas".
uma pequena discussão junto à feira do livro antigo, nas imediações de recoletos, foi esclarecedora: um grupo de protestantes (penso que belgas) descia a avenida. alguns dos animadores pediam a uma mão cheia de catalães, que subia, na direcção oposta: "juntem-se a nós, camaradas! é pelo emprego!" resposta de um dos jovens, de barcelona: "gostava muito, é domingo e dia de senhor, mas tenho de ir trabalhar!"
a partir daí as coisas azedaram, mas a discussão foi interessante, embora não frutuosa: pareceu-me a história do ovo e da galinha. e todos acabaram por concordar sobre o que não queriam. mas não disseram o que desejavam. ou onde estava o "inimigo". eis um problema. 
o que nos leva às verdades. a primeira diz-nos que a doença europeia não cabe toda no mesmo saco. tomemos a grécia. pode imaginar-se que o seu fogo devia ser combatido não com austeridade, mas "crescimento". o problema é que, entre 1999 e 2007, a grécia cresceu a passos de gigante, teve alguns dos melhores números europeus (quase 5% ao ano) e desaguou na amargura. é que o "crescimento" foi baseado no descontrolado endividamento do estado, seguindo uma tradição de 1975, e sobretudo de 1993. 
a segunda verdade afirma que não se pode ter o bolo na mão e comê-lo, ao mesmo tempo. não se pode ser "capitalista" e, com a corda ao pescoço, pedir ao estado que nos salves as herdades ou os bancos. na islândia, todo o sistema de crédito faliu, o governo decidiu não resgatar a banca e seguiu por outro caminho. com algum sucesso. na irlanda, o pedido internacional de resgate teve como origem, precisamente, não o "estado social" e as suas despesas, mas a ajuda camuflada, sistemática, ruinosa, a uma banca irresponsável e fraudulenta, que desequilibrou o orçamento, levando um défice quatro vezes superior ao português. 
o culpado é o sector público ou os "privados"? na rua espanhola estava de tudo, incluindo os gestores de empresas do estado. mas o problema não é o mesmo em todos os países da eurozona. portugal já privatizou muito do que há a libertar nas últimas décadas. quanto à grécia, tem ainda quase seis mil empresas públicas."

as linhas da ira III

é no meio de tudo isto que temos de colocar o dilema português. o nosso cancro é igual e diferente. não é só a obscuridade dos últimos anos, a ambiguidade entre o público e o privado, a vergonha do bpn e quejandos, a protecção do trono aos magnates fidelíssimos (e vice-versa), o tratamento dos outros como enteados, mas ainda a cultura do esbanjamento e da facilidade, o desprezo pelo trabalho esforçado e pelo mérito baseado neste, o problema da abdicação da qualidade e da quantidade. como me diziam em madrid, portugal "está na moda" e é visto como um pequeno país movido a cafeína, capaz de surpreender o mundo e de reagir, sempre com os nervos à flor da pele, de forma rápida e decisiva. 
mas "estar na moda" cheira a precariedade e fama passageira. não é isso que queremos, mas antes coerência e, como hoje se diz, mudança "sustentável". 
pelo caminho, claro, terá de existir rigor e exemplo do estado, suor e lágrimas. mas antes isso que sangue."

nuno rogeiro in relatório minoritário na revista sábado. 





"o fim de um mundo

(...) claro que, no último sábado, alguns indignados de lisboa e do porto passearam telemóveis e computadores enquanto exigiam o extermínio do sistema económico que lhes permite passear telemóveis e computadores. mas por cá a piada prende-se mais com as reivindicações alusivas ao regime político. é possível que a concentração em frente à assembleia da república e não junto de qualquer símbolo financeiro resultasse do acaso. o que não é casual é a determinação expressa por tantos de substituir uma democracia vigente por uma democracia dita "autêntica".
até aqui nada de estranho. também eu ando descontente com uma democracia que remove fatia considerável dos meus rendimentos para sustentar o estado e as suas clientelas, ou para comprar votos de calaceiros que preferem o rendimento mínimo ao trabalho. aliás, no dia em que marcarem uma "acampada" por exemplo à porta da mota-engil ou da rtp ou da fundação saramago ou de um centro de emprego, comprometo-me a fornecer três saco-cama a título de apoio logístico (...).
porém, semelhante hipótese é altamente improvável. a alternativa democrática que os nossos indignados defendem não passa pela redução do mostrengo que asfixia tudo à sua volta. passa por quê então? de acordo com as palavras de ordem proferidas a 15 de outubro, é difícil perceber. ao que li, os indignados não querem pagar uma dívida que juram não ser deles (é de quem?), acham a polícia "fascista" (quem não berra connosco é invariavelmente fascista), julgam-se no egipto actual ou no chile de 1973 ("o povo unido jamais será vencido" foi um slogan frequente) e, segundo o Dinis, 5 anos, inquirido pelo público na manifestação de coimbra, acreditam que "o pai natal já não vai voltar porque não tem dinheiro". algures, um cartaz proclamava: "inevitáveis são as minhas ideias.". arrogância à parte, a questão é: quais ideias? descer a avenida com uma t-shirt do Che a guinchar clichés revolucionários não traduz uma única ideia: traduz sobretudo a estrondosa falta delas."

alberto gonçalves in juízo final na revista sábado. 

Sem comentários: